O PT e a justiça baiana também serão denunciados à ONU e ao Tribunal Internacional por desmatamento na Bahia?
Por Fernanda Couzemenco – Editado por Cimberley Cáspio

Desmataram área muito maior que a cidade do Recife; e um silêncio constrangedor e um manto de ilegalidade pairam sobre os órgãos da gestão ambiental do estado da Bahia. Sem responder ao questionamento público feito em Carta Aberta assinada por 56 entidades de defesa do meio e dos direitos humanos, o Instituto e Secretarias estaduais de Meio Ambiente (Inema/Sema) estão agora sob as lentes da justiça.
O motivo é o caso do Condomínio Estrondo, localizado no município de Formosa do Rio Preto, no extremo oeste da Bahia, na divisa com o Tocantins, beneficiado com Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV) que somam 27,2 mil hectares, área maior que a cidade do Recife.


O empreendimento figura, desde 1999, como um dos maiores casos de grilagem de terras do país, segundo o Livro Branco da Grilagem do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com mais de 315 mil hectares de terras localizadas às margens do Rio Preto, na divisa entre Bahia e Tocantins, fazendo fronteira com a MATOPIBA – acrônimo que denomina a região de expansão agrícola entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Conforme sublinha o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), uma das entidades a assinar a carta solenemente ignorada pelo Inema/Sema, o condomínio é constituído por 22 empresas produtoras de soja, algodão e milho para exportação, possuindo silos das gigantes Bunge e Cargill.
Em petição protocolada, a Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) requer, em defesa de três Associações Comunitárias de Comunidades Geraizeiras da região – de Cacimbinha e Gatos, de Cachoeira e de Aldeia – que o Juízo da Vara Cível da Comarca Formosa do Rio Preto determine, com urgência, a paralisação imediata dos desmates, sob pena de multa diária.
A petição informa que entre janeiro e agosto deste ano, dos 27 mil hectares autorizados para desmate, 4,5 mil já foram consumados pelas empresas Cia Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB) e Delfin S/A.
Emitidas pelo Inema a partir de 2019, as ASVs configuram “ato atentatório à dignidade da justiça”, afirma a petição, pois referem-se a uma área sob contestação judicial. Na ação em cujo âmbito a petição é feita – processo nº 8000499-51.2018.8.05.0081, impetrado em outubro de 2018 – a Procuradoria Geral do Estado (PGE) “pugna pela nulidade dos registros das matrículas que deram origem ao ‘condomínio’”, entendendo tratarem-se de áreas potencialmente devolutas, passíveis de titulação como território tradicional de comunidades geraizeiras.
“Estamos assistindo ao órgão ambiental ignorar a ação judicial em que o próprio estado afirma que essas empresas não são proprietárias da terra e não possuem requisitos pra ter autorização pra supressão”, resume o advogado Maurício Correia, coordenador executivo da AATR e um dos autores da peça jurídica.
Num caso como esse, afirma a PGE em parecer citado na petição, o Inema deveria pedir anuência do órgão fundiário estadual (CDA), bem como do Juízo da Comarca do Município, visto que a ação de 2018 ainda não teve julgamento do mérito – na verdade sequer o edital de convocação das partes foi publicado, o que é requerido também na petição de sexta-feira – além do conselho gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Preto, onde a gleba está inserida, e das comunidades geraizeiras que habitam tradicionalmente o local.
A “consulta prévia, livre e informada” às populações tradicionais diretamente impactadas por um empreendimento é determinada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto Federal nº 6.040/2007.
“Grilagem verde”
Segundo Maurício Correia, as três comunidades protegem, há 150 anos, a vegetação que o Condomínio Estrondo quer fazer crer como constituinte de sua Reserva Legal, num típico exemplo de “grilagem verde”: “Há uma corrida sobre a grilagem verde – estabelecer Reserva Legal em áreas de comunidades tradicionais. Esses imóveis grilados estão no mesmo município de Formosa, onde houve ataque a uma comunidade próxima a geraizeiros, a tiros. Estão alterando RLs das chapadas pros vales pra devastar mais ainda o pouco que restou. Áreas de vales são mais arenosas menos propícias para esse tipo de cultivo. Fitofisionomias diferentes”, explica.
A continuidade desses desmatamentos ilegais, salienta a AATR, “potencializa os conflitos fundiários e socioambientais existentes no território, pois as comunidades tradicionais seguem defendendo o meio ambiente, a natureza, as águas e o bioma Cerrado como um todo por ser a sua existência vinculada a ele”.
O município em que o conflito se desenrola é o maior da Bahia em extensão territorial, sendo quase do tamanho do estado de Sergipe, e ostenta o segundo maior PIB agropecuário do país, bem como o segundo lugar no ranking de desmatamento do Cerrado, que é liderado por São Desidério. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ao contrário, ressalta o advogado da AATR, é baixo, bem como a qualidade dos serviços públicos essenciais, tanto na zona rural quanto urbana.

A área liberada para o desmate em curso, salienta Maurício Correia, “forma o único corredor ecológico remanescente de vegetação nativa entre os vales do Rio Preto e Rio Riachão”, região que integra uma extensa área de chapadões que vai da divisa do norte de Minas Gerais até a divisa do Piauí, Tocantins e Maranhão.
“Esses chapadões são a principal área de recarga do aquífero Urucuia, é o terceiro maior do país, após o Guarani e o Alter do Chão, e estão sendo tomados pelo agronegócio”, aponta o advogado. A maior parte dessa área, lamenta, já foi desmatada e convertida em soja, algodão e milho.
Há que se ressaltar ainda que o Rio Preto forma, com o Rio Grande e o Rio Corrente, os principais afluentes baianos do Rio São Francisco, sendo vitais inclusive para o próprio lago da represa de Sobradinho, a maior e mais importante para o abastecimento humano e produção de energia elétrica no Nordeste.
“A área que a Estrondo quer desmatar é um dos últimos remanescentes de todas essas chapadas, num ponto essencial de recarga desse aquífero, onde nasce o rio Preto”. As demais, informa, já foram dominadas por empresas como Canabrava e Coaceral, investigadas na Operação Faroeste, que investigou, a partir de 2018, o envolvimento de juízes e desembargadores em vendas de sentenças judiciais relacionadas à grilagem de terras em Formosa. Na Operação, foram presos, entre outros, a ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, e o então juiz responsável pela Ação da PGE de 2018, Sérgio Humberto Quadros Sampaio, que extinguiu a ação sem julgamento do mérito e hoje continua sob acusação do crime, no Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Em 50 anos, o Cerrado já perdeu metade da sua vegetação original, processo intensificado nos últimos 20 anos, contextualiza o coordenador executivo da AATR. A ofensiva, acentua, continua crescente. “Infelizmente não se vê ainda no horizonte uma mudança de postura por parte do setor privado e do Estado, dos poderes públicos. Ao contrário”.
Inema e Sema
Até o fechamento desta reportagem, nem o Inema nem a Sema responderam ao pedido de posicionamento sobre as denúncias apontadas na petição da AATR aqui divulgadas.
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