10 bilhões de reais por ano, é a isenção de impostos ao mercado do veneno, o que daria para vacinar 100 milhões de brasileiros contra a Covid-19
Por Marina Martinez – Editado por Cimberley Cáspio

A falta de rigorosidade e transparência no controle de agrotóxicos no Brasil confere solo fértil para o desenvolvimento do lucrativo mercado do veneno. Pelo menos quatro grandes fabricantes desses produtos – a norte-americana FMC Corp, a dinamarquesa Cheminova A/S, a alemã Helm AG e a suíça Syngenta AG – vendem em solo brasileiro produtos banidos em seus próprios mercados internos, conforme revelou a Reuters. Além disso, aproximadamente um terço da receita, cerca de US$4,8 bilhões (aproximadamente R$25 bilhões), das maiores multinacionais agroquímicas vem de produtos classificados como “altamente perigosos”, que têm como destino principal o Brasil.
Os limites de resíduos de agrotóxicos em alimentos e na água permitidos pela lei brasileira, que são muito superiores do que em outros países, também favorecem as empresas desse setor. “O limite [de resíduos na água potável] estabelecido para o glifosato, agrotóxico mais utilizado no Brasil, é cinco mil vezes superior àquele estabelecido na União Europeia. O estabelecimento de tais limites sofre frequente influência dos representantes do interesse do mercado dos venenos.
O Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia (2019) também mostra que na soja brasileira há 200 vezes mais resíduos de glifosato do que o atualmente permitido na Europa. Aliás o glifosato, devido à existência de provas sobre o seu efeito cancerígeno, já foi banido em dezenas de países. No Brasil, de acordo com uma reavaliação feita pela Anvisa em 2019, indicou que o glifosato não causa prejuízos à saúde, e esse agrotóxico continua sendo amplamente usado.
Segundo Cleber Folgado, advogado e membro do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, há uma flexibilização das normas de regulação dos agrotóxicos em processo no país. “O denominado ‘PL do Veneno’, referente ao Projeto de Lei n. 6.299/2002, que contém um conjunto de propostas que mudarão por completo o sistema normativo regulatório tal como o conhecemos, vem sendo ainda posto em prática”, diz Folgado.
Exemplo disso é o número recorde de liberação de agrotóxicos. Só nos últimos dois anos, quase mil agrotóxicos foram aprovados para uso pelas agências reguladoras no país. Foram 493 produtos aprovados em 2020 – em média, quase 10 agrotóxicos liberados por semana, sendo que 90% das aprovações ocorreram após o início da pandemia – revelou uma investigação conjunta da Repórter Brasil com a Agência Pública.
Estas flexibilizações regulatórias favorecem não só as multinacionais do veneno, como também o agronegócio voltado à produção de commodities para exportação, que consome quase 90% dos agrotóxicos a nível nacional. Em suma, atende aos interesses econômicos e políticos da bancada ruralista.
Outro benefício extraordinário concedido ao setor são as isenções de impostos dadas pelo governo às empresas que produzem e vendem agrotóxicos no Brasil, que somam cerca de R$10 bilhões por ano. Esse valor, além de ser quase quatro vezes o orçamento total do Ministério do Meio Ambiente em 2020, possibilitaria a compra de vacinas contra a Covid-19 para cerca de 100 milhões de brasileiros, contribuindo para imunizar metade da população.
E daí?
O poderoso mercado do veneno precisa ser contestado e controlado. Caso contrário, cada vez mais resíduos de agrotóxicos altamente perigosos à saúde estarão presentes nos alimentos, na água, nos solos e no ar. E, possivelmente, até nas ruas das cidades brasileiras.
Organizações da sociedade civil estão ajudando a denunciar e mobilizar ações contra os riscos do uso excessivo e irregular de agrotóxicos. Em oposição ao PL do Veneno, por exemplo, está em processo o Projeto de Lei n.º 6670/2016, que propõe a criação de uma Política Nacional de Redução de Agrotóxicos. “Trata-se de um projeto de vida, que tem como horizonte o fortalecimento da agroecologia e a construção de mecanismos que possam restringir o uso de agrotóxicos” na agricultura, diz Folgado.
A agroecologia engloba um conjunto de técnicas agrícolas que fazem uso de pouco ou nenhum insumo agroquímico e o controle biológico de pragas. Embora representantes do mercado do veneno defendam que o uso de agrotóxicos é necessário para produzir alimentos em grande escala, há evidências que as práticas agroecológicas aumentam a produtividade agrícola no longo prazo.
A proposta não envolve o retorno nostálgico a uma agricultura precária, pouco produtiva, não guiada pela ciência. O financiamento, o amparo, o desenvolvimento e a disponibilização de tecnologia agrícola livre de agrotóxicos é fundamental e muito beneficiaria nossa produção agrícola, nossa alimentação e nossa saúde.
Inverter os incentivos financeiros e legais – do uso de agrotóxicos para o não uso dessas substâncias químicas – na agricultura, é uma forma de estimular a adoção de práticas mais saudáveis e sustentáveis no setor. Na França, por exemplo, o governo pagará €2.500 (aproximadamente R$16.000) aos agricultores que abandonarem o uso do agrotóxico glifosato. Já no Brasil, provavelmente caberá à população reivindicar o direito à produção e ao acesso a alimentos com pouco ou nenhum resíduo de agrotóxicos.
“O direito à produção de alimentos saudáveis é um aspecto de outros direitos fundamentais existentes na Constituição Federal, tal qual o direito à Saúde, ao Meio Ambiente e à Alimentação”, diz Folgado. “De modo que, torna-se correto afirmar e reivindicar um direito à agroecologia, o que por sua vez impõe ao Estado a responsabilidade de auxiliar no processo de transição agroecológica, com recursos financeiros adaptados para essa realidade”.
Fonte: Aupa
https://www.biodiversidadla.org/Documentos/O-poderoso-mercado-do-veneno
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