Por Thierry Meissan

A parte desclassificada não corresponde senão a uma décima-segunda parte do relatório inicial.
O relatório, em si mesmo, não aborda o vasto sistema de rapto, e sequestro, que a Marinha dos E.U.A colocou em prática durante o mandato do presidente George W. Bush; um programa que levou a raptar, no mundo inteiro, e a sequestrar mais de 80. 000 pessoas, em 17 barcos de fundo chato, estacionados em águas internacionais (estes navios são: o USS Bataan:, USS Peleliu, USS Ashland, USNS Stockham, USNS Watson, USNS Watkins, USNS Sister, USNS Charlton, USNS Pomeroy, USNS Red Cloud, USNS Soderman, USNS Dahl, MV PFC William B Baugh, MV Alex Bonnyman, MV Franklin J Phillips, MV Louis J Huage Jr, MV James Anderson Jr.). Ele limita-se a analisar o conteúdo de 119 casos de cobaias humanas, submetidas a experiências psicológicas em Guantánamo e em cerca de cinquenta prisões secretas, entre 2002 e final de 2009, ou seja, um ano após a eleição de Barack Obama.
Os extratos do relatório não indicam quais os critérios de escolha destas cobaias humanas. Limitam-se a afirmar que todos os prisioneiros denunciaram o que se segue, indicando, ao mesmo tempo, que as confissões não foram extorquidas mas sim fabricadas. Por outras palavras, a CIA quis justificar as suas escolhas fabricando denúncias a posteriori.
No relatório inicial, os nomes dos agentes, e contratados da CIA, envolvidos foram substituídos por pseudônimos. Além disso, os extratos desclassificados foram grandemente censurados, principalmente, para apagar os nomes dos cúmplices estrangeiros da CIA.
O conteúdo do relatório
Eu li, de forma completa, as 525 páginas dos extratos do relatório tornados públicos . No entanto, fiquei longe de ter tirado deles todas as informações, já que são necessárias numerosas pesquisas para interpretar as passagens censuradas.
As sessões de condicionamento mental foram efetuadas em cerca de cinquenta prisões secretas, sob a responsabilidade da «Alec Station», a unidade da CIA encarregada de seguir Osama bin Laden. As infraestruturas, o pessoal e os transportes eram da responsabilidade do «Grupo de logística e detenção» da CIA. As sessões eram concebidas e realizadas sob a supervisão de dois psicólogos contratados, que formaram uma sociedade em 2005. As autorizações de utilização de técnicas de condicionamento foram dadas ao mais alto nível, sem especificar que essas torturas tinham por fim condicionar e não extrair informações.
O vice-presidente Dick Cheney, a conselheira de Segurança Nacional Condoleezza Rice, o secretário da Justiça John Ashcroft, o secretário da Defesa Donald Rumsfeld, secretário de Estado Colin Powell e o director da CIA George Tenet, participaram em reuniões sobre este assunto na Casa Branca. Eles assistiram à simulações na Casa Branca, e visionaram gravações de algumas sessões ; gravações que foram posteriormente, e ilegalmente, destruídas. Estas reuniões tinham, evidentemente, por objetivo «molhar» estas personalidades, mas, não é possível determinar qual delas sabia para que efeito eram usadas essas técnicas.
Entretanto, em junho de 2007, Condoleezza Rice foi, pessoalmente, informada, em resumo, pelo contratado da CIA que supervisionava as experiências. A conselheira de segurança nacional autorizou a continuação das experiências, mas diminuiu o numero de torturas autorizadas.
Os extratos do relatório, publicados, contêm uma análise detalhada do modo como a CIA mentiu aos outros ramos da administração Bush, a mídia e ao Congresso.
James Mitchell e Bruce Jensen, supervisores do programa de condicionamento da CIA. Mitchell havia sido designado em 2012 bispo mórmon, mas, foi obrigado a resignar logo que a Igreja de Jesus Cristo dos santos dos últimos dias soube das suas atividades.
As experiências do professor Martin Seligman
O extracto, publicado, do relatório confirma que a CIA realizou experiências baseadas nos trabalhos do professor Martin Seligman (teoria da «impotência assumida»). Elas não tinham por objetivo obter confissões ou informações, mas, sim, incutir um discurso ou um comportamento aos sujeitos. A maior parte das citações que a imprensa fez, dos trechos do relatório, presta-se à confusão. Com efeito, a CIA fala de «métodos de condicionamento», sob o nome de «métodos extra-padrão de interrogatório» (non-standard means of interrogation). Fora de contexto, pode-se, pois, pensar que o termo «interrogatório» designa a pesquisa de informação, quando ele significa sessões de condicionamento dos sujeitos.
Todos os nomes dos torturadores foram censurados no extrato desclassificado do relatório. Porém, reconhece-se Bruce Jessen sob o pseudônimo de «Grayson Swigert», e James Mitchell sob o de «Hammond Dunbar». A partir de 12 de abril de 2002, os dois homens supervisionaram o programa. Eles estavam presentes nas prisões secretas, fisicamente. Em 2005, eles estabeleceram uma sociedade comercial, Mitchell, Jessen & Associates (designada como «Companhia Y» no relatório). A sua empresa recebeu pagamento de 81 milhões de dólares de 2005 a 2010 . Seguidamente, eles foram contratados pelo Exército de Terra para dirigir um programa sobre comportamento em 1,1 milhões de soldados norte-americanos.
Em maio de 2003, um oficial senior da CIA questionou o inspetor-geral da Agência, mostrando que os trabalhos do professor Seligman eram baseados nas torturas praticadas pelo Vietnam do Norte, a fim de obter «confissões para efeitos de propaganda». O oficial punha em causa o programa de condicionamento. A sua chamada de atenção não teve qualquer efeito. No entanto, ele cometeu um pequeno erro citando o Vietnam do Norte, sendo que as pesquisas de Seligman eram baseadas, tal como as práticas dos norte-vietnamitas, em trabalhos coreanos.
O modo como os torcionários se protegeram
Segundo a Comissão senatorial, o programa de tortura da CIA foi ordenado pelo presidente George W. Bush, a 17 de setembro de 2001, seis dias após os atentados. Ele tinha como único objetivo fornecer meios extra ao inquérito sobre os atentados de 11 de Setembro de 2001. No entanto, este programa foi, imediatamente, desenvolvido em violação de certas instruções do Presidente. Por consequência, logo que terminados os atentados, a CIA, à revelia da Casa Branca, esforçou-se em fabricar falsos testemunhos atestando, mentirosamente, a culpabilidade da al-Qaida.
O presidente George Bush e os parlamentares foram enganados pela CIA que : obteve autorizações para a prática de certos atos de tortura mascarando, para isso, a sua verdadeira finalidade
e, falsamente, apresentou confissões inculcadas, como se elas tivessem sido extorquidas sob tortura.
Quando o presidente Bush reconheceu, a 6 de setembro de 2006, a existência do programa de torturas secretas da CIA ele defendeu esta prática, argumentando que ela tinha permitido obter informações que salvaram vidas. Ele baseou-se nos falsos relatórios da CIA, e ignorava que esta fabricava provas em vez de as procurar. De imediato, a imprensa atlantista mergulhou na barbárie e debateu o mérito ou não da tortura, apresentando-o como um mal necessário para obter o bem.
Os torturadores trataram de garantir cobertura legal. Assim sendo, eles pediram autorização para a prática ao Departamento de Justiça. Mas, este apenas se pronunciou sobre a legalidade dos métodos utilizados (isolamento, confinamento numa pequena caixa, simulação de enterro, utilização de insetos, etc.), e não sobre o programa no seu conjunto. A maior parte dos juristas só autorizava posturas particulares, ignorando, aqui, as suas consequências psicológicas uma vez combinadas. Todas as autorizações foram reunidas em agosto de 2002.
Os dirigentes da CIA que autorizaram estas experimentações especificaram, por escrito, que as cobaias humanas deviam ser incineradas se sucumbissem durante o condicionamento, ou que elas deveriam ficar em prisão perpétua se sobrevivessem.
«Confissões» fabricadas
Que fique bem claro : a Comissão Senatorial não diz que as confissões dos prisioneiros da CIA são legalmente incorretas, por terem sido obtidas sob tortura, ela mostra que a CIA não interrogou estes prisioneiros, mas, sim, que os condicionou para que eles confessassem situações e atos que lhes são estranhos. A Comissão revelou que os agentes da CIA nem sequer procuraram saber o que os detidos haviam confessado, e nem se quer dos interrogatórios precedentes, às autoridades que os prenderam. Por outras palavras, não só a CIA não procurou saber se a al-Qaida estava envolvida, ou não, nos atentados, como a sua ação não teve outro propósito senão o de fabricar falsos testemunhos atestando, mentirosamente, a implicação da al-Qaida nos atentados de 11 de Setembro.
A Comissão Senatorial não se preocupou em saber se as confissões das cobaias humanas foram extorquidas ou inculcadas, mas, depois de explicar que os supervisores eram peritos do condicionamento e não de interrogatórios, ela detalhou, longamente, o fato que nenhum desses «testemunhos» permitiu antecipar fosse o que fosse. Ela demonstrou que a CIA mentiu ao pretender que eles tinham permitido evitar outros atentados. A Comissão não escreveu que as informações sobre a al-Qaida contidas nessas confissões foram fabricadas, mas, ela ressaltou que tudo o que era comprovável era falso. Ao fazê-lo, a Comissão desmentiu explicitamente os argumentos que foram utilizados para justificar a tortura e anulou, implicitamente, os testemunhos que foram utilizados para ligar a al-Qaida aos atentados do 11 de Setembro.
Este relatório confirma, de modo oficial, as várias informações que nós havíamos apresentado aos nossos leitores, e, que contradizem e invalidam o trabalho dos “thinks tanks” (círculos de pensamento político) atlantistas, das universidades e da imprensa desde o 11 de Setembro, tanto no que diz respeito aos atentados de 2.001, em si mesmos, como no que diz respeito à al-Qaida.
Na sequência da publicação de trechos deste relatório, parece que todos os testemunhos, citados no relatório da Comissão Presidencial de inquérito sobre o 11 de Setembro, ligando estes atentados à al-Qaida são falsos. E Já não existe mais, nesta altura, o menor indício permitindo atribuir estes atentados à al-Qaida: não existe nenhuma prova que as 19 pessoas acusadas de ser os piratas do ar se tenham encontrado, naquele dia, num destes quatro aviões, e nenhuma das confissões de antigos membros da al-Qaida reivindicando os atentados é genuína.
Martin Seligman, mentor do programa de condicionamento da CIA.
O relatório confirma o que nós revelamos em 2009
Em outubro de 2009, eu havia publicado um estudo sobre este assunto na revista russa Odnako. Aí, afirmava que Guantánamo não era um centro de interrogatório, mas sim de condicionamento. Por outro lado, eu colocava em causa, pessoalmente, o Professor Seligman. Um ano mais tarde, após o artigo ter sido traduzido para Inglês, psicólogos norte-americanos desencadearam uma campanha para exigir a Martin Seligman que se explicasse. Como resposta este negou o seu papel de torturador, e, lançou um processo judicial contra mim e contra a Rede Voltaire, na França e no Líbano, onde eu morava. Em última análise, o professor Seligman instruiu os seus advogados para parar os procedimentos depois de termos publicado uma das suas cartas, seguida de uma explicação de texto. Martin Seligman demandou identicamente todos aqueles que trataram deste assunto, como Bryant Weich do Hunffington Post .

John O. Brennan foi diretor-adjunto da CIA (2001-05) e nesta qualidade diretor do Centro nacional antiterrorista. Ele foi o principal artesão do programa secreto de fabrico de confissões sob tortura. Em 2009, ele tornou-se conselheiro do presidente Barack Obama para as questões de Segurança da Pátria. Foi nomeado diretor da CIA em 2013.
E agora
A senadora Diane Feinstein veio, corajosamente, publicar uma parte do seu relatório, apesar da oposição do atual diretor da CIA, John Brennan, anteriormente encarregado de controlar este programa de tortura.
O Presidente Barak Obama anunciou que ele não demandaria nenhum dos responsaveis deste crimes, enquanto os defensores dos direitos humanos ainda se batem para que os torturadores sejam levados perante a justiça. É o mínimo que se pode fazer.
No entanto, as reais perguntas estão algures: porque é que a CIA cometeu tais crimes ? Porque é que ela fabricou confissões, permitindo conectar artificialmente a al-Qaida aos atentados do 11 de setembro? E, por conseguinte, não tendo a al-Qaida nenhuma relação com os atentados do 11 de setembro, quem é que a CIA procurou proteger?
Por fim, o programa da CIA só visou 119 cobaias humanas. Que se passa, pois, ainda com os 80. 000 prisioneiros secretos da US Navy (Marinha dos EUA) ?

Bem, a verdade é que Dianne Feinstein, ou Srª Feinstein, Presidenta da Câmara de San Francisco (1978-88) ; Senadora (desde 1992) – Partido Democrata, é célebre por ter conseguido a divulgação das informações sobre os 119 prisioneiros da CIA, entre os quais os de Guantánamo, e das torturas a que eram submetidos, em troca do seu silêncio sobre os 80. 000 prisioneiros secretos da Navy (Marinha) nos barcos em águas internacionais.
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