Debaixo do solo cearense, os mortos dos campos de concentração ainda clamam por justiça.

Por Cimberley Cáspio
Já faz mais de 80 anos que essas crianças morreram. Seus crimes? Assolados pela fome, foram pra cidade pedir comida, e como resposta, o governo do Ceará as colocou em um trem com destino a um campo de concentração. Não queriam esfomeados na cidade, seria uma coisa feia e iria espantar visitas e turistas.
Bem, acontece que a fome matou as crianças antes mesmo de chegarem ao campo de concentração, e seus corpos foram jogados à margem da linha férrea.




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Vítimas da seca. Corpos de crianças jaziam ao lado da linha férrea que levava para o Campo de concentração de Senador Pompeu.

Bem, milhares de pobres nordestinos esfomeados morreram nos vários campos de concentração instalados no estado cearense. E isso durou até 1939. E o governo do Ceará? Bem, até agora nenhuma responsabilidade foi imposta ao estado pela morte covarde e cruel de milhares de pessoas, apenas porque eram pobres e apenas porque queriam um prato de comida.
E do outro lado do mundo, bem depois disso, ainda hoje, a Alemanha paga a Israel pela prática bem parecida, a qual, foi responsável pela morte de milhões de judeus.
E a miséria e morte de judeus em campos de concentração nazista teria muito mais importância do que a miséria e morte dos milhares de esfarrapados brasileiros que morreram nos campos de concentração no Ceará antes da 2ª guerra? O Brasil não enviou a FEB e sacrificou seus soldados em solo europeu em prol da liberdade e da justiça? Quer dizer, para os judeus houve justiça, mas para os nossos esfomeados que foram mortos covardemente e de forma cruel pelo então governo do Ceará não há justiça? Celebra-se a morte dos soldados brasileiros em solo europeu durante a 2ª guerra, ergue-se monumento a eles, e os sobreviventes e descendentes da crueldade nordestina não verão a justiça, não serão reparados, indenizados à altura de tamanha barbárie, sofrimento e humilhação? Tõ nem aí pra questão de raça, mas me obrigo a perguntar: se fossem judeus e tivessem passado por esse sofrimento e morte aqui no Brasil, o tratamento de justiça e reparação seria o mesmo? Jogados ao esquecimento? Ou a forma seria outra?



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Criança brasileira vítima da fome e violência no campo de concentração nordestino.

Mas nada se falou até hoje na questão de reparação a essas vítimas muito mais do que inocentes, que em muitos casos foram enganadas, escravizadas, e as que não podiam trabalhar, recebiam uma ração, quando recebiam, e morriam por não resistir a fome.
Assim como a ONU, ongs e parte do mundo gritaram a favor da proteção dos índios e do meio ambiente amazônico, por que não gritam a favor dessas vítimas que até hoje não receberam um enterro decente, como um memorial por exemplo? Por que os artistas, principalmente os artistas nordestinos não reverberam suas vozes a favor de justiça, reparação e memória desses flagelados que debaixo da terra ainda estão clamando?



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Notícia sobre o Campo de Concentração dos Flagelados, publicada no Jornal O POVO, em 16/04/1932.

Ainda há sobreviventes e descendentes que aguardam uma reparação e desculpa oficial por parte da União e do governo do estado do Ceará. Claro, os governos atuais não protagonizaram a barbárie, mas, representam as mesmas instituições que praticaram essas crueldades nas décadas de 20 e 30. E por estarem representando as mesmas instituições, devem sim, reparação e desculpas oficiais a essas vítimas.




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Não! Não deixaremos o Ceará e o Brasil esquecer tamanha tragédia praticada em prol da manutenção do luxo e abastados da época. A exumação dessa história ainda não foi feita como deve ser. E enquanto a justiça não for feita de forma adequada e exemplar, eu e outros colegas continuaremos reverberando as vozes dos que clamam sob o solo ainda marcado do sangue de brasileiros e brasileirinhos que morreram por tão somente querer apenas um prato de comida.

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