O 2,4-D, ingrediente usado na composição do “agente laranja”, que matou milhares durante a Guerra do Vietnã, foi aprovado pela ANVISA para ser aplicado como defensivo agrícola.

Por Mateus Vargas – jota.com

Foto: Pixabay
Os diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiram nesta terça-feira (14/5) manter o uso do ingrediente ativo ácido 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D) em agrotóxicos.
Trata-se do segundo ingrediente de defensivos mais usado no Brasil, atrás apenas do glifosato. De 2009 a 2017 a venda do produto cresceu 4,7 vezes, disse a agência, alcançando 60 mil toneladas vendidas no ano.
Segundo a agência, não há evidências sobre características do produto que levariam à proibição de seu registro, como causar câncer ou mutações. A Anvisa também não encontrou risco à população por meio do consumo de alimentos ou água com resíduos do produto.
O processo de reavaliação, porém, encontrou risco a trabalhadores do campo ou populações que moram próximas ao local de manipulação e uso dos herbicidas.
A nova resolução da Anvisa (minuta) traz medidas de segurança para estas populações expostas a riscos similares àquelas propostas para reavaliação do uso do glifosato. Entre as mudanças, está a determinação de intervalos de até 31 dias entre a aplicação do defensivo e o retorno do trabalhador ao local. Antes deste tempo, o local só pode ser acessado com uso de equipamento de proteção individual (EPI).
A regra proíbe ainda o acúmulo de atividades de mistura, abastecimento e aplicação tratorizada por um mesmo indivíduo. Também passa a exigir uso de tecnologia de redução de deriva, para evitar dispersão do agrotóxico para área além daquela desejada.
As empresas titulares de registro de produtos à base de 2,4-D ficam responsáveis por elaborar relatórios anuais com registro das vendas de produtos, das medidas de mitigação de riscos realizadas e dos resultados obtidos. “Incluindo os dados de intoxicação notificados no período e de monitoramento em alimentos e água, entre outros considerados pertinentes”, diz a Anvisa.
A reavaliação exige de empresas a implementação de programas de educação e qualificação para trabalhadores agrícolas. O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) registrou 619 casos de intoxicação pelo 2,4-D de 2007 a 2015. O perfil das vítimas é de trabalhadores rurais, submetidos a exposição aguda, homens e de baixa escolaridade (71% não completaram o ensino fundamental).
Pouco mais da metade (51,5%) dos casos registrados de intoxicação no período foram intencionais. Dados do ministério mostram que agrotóxicos estão entre principais meios de tentativa de suicídio.
A Anvisa também proibiu na nova resolução o uso do 2,4D butílico, mesmo que não houvesse produto deste tipo registrado no Brasil.
A consulta pública sobre reavaliação do uso do 2,4-D foi realizada em 2016, com mais de 5,6 mil participantes: 85,3% discordaram e 14,7% concordaram com a manutenção. Segundo a agência, os principais argumentos apontados para encerrar o uso do ingrediente foram os efeitos à saúde. Já para manter o produto, a importância ao agronegócio.
O processo foi provocado por questionamentos do Ministério Público.
Apesar da forte resistência à manutenção do produto, a agência afirma que não há risco ao consumidor por resíduos do 2,4-D na água ou alimento. Em 42,6 mil amostras de água analisadas de 2014 a 2017, 70% não apresentaram rastros do agrotóxico. E em 0,01% a substância foi encontrada acima do limite permitido.
A agência afirma que, após a consulta, verificou necessidade de aprofundar a discussão. Foram analisados outros 13 pareceres sobre o tema.
O 2,4-D é usado no mundo há cerca de 70 anos, segundo a Anvisa. O ingrediente era usado na composição do “agente laranja”, conhecido pelo uso na Guerra do Vietnã. A agência ressalta, porém, que a substância de maior risco do desfolhante usado no combate era o 2,4,5,T, já proibido.

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